Palavras...

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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Eu recomendo: NO MAR de Toine Heijmans

"É assim. Não se pode velejar para sempre, chega um momento em que querem você de volta à terra."


Mar do Norte - imagem de um satélite da NASA.



 "Não há razão para se arriscar...
(Última frase do diário de bordo do velejador  solitário Donald Crowhurst, 1969.)"

"Ele foi o arquiteto de sua própria ruína.
Tentou fazer algo que saiu desastrosamente errado.
(Seu filho, Simon Crowhurst, em entrevista ao jornal  britânico THE TIMES, 2006)"


  Estes dois trechos acima são as epígrafes do livro...

Cosac Naif, 160 páginas
(Disponível no programa KINDLE UNLIMITED)


  Foi no mínimo preocupante, para mim, começar o texto que fala sobre uma viagem de barco no Mar do Norte com introduções tão agourentas. 

Abre parenteses.
  
  Como eu nunca tinha ouvido falar em Donald Crowhurst, fui pesquisar pra saber qual era o caso; até para ficar atenta às possíveis conexões entre os fatos e a ficção. Deixo aqui o link da Wikipedia que contém um resumo da história.

Fecha parenteses. 

  
  O livro do escritor holandês conta a história de Donald (!), um homem na faixa dos 40 anos, desiludido com a vida corporativa, que decide tirar três meses de licença para clarear as ideias. Velejador amador, ele resolve passar este tempo circulando, em seu pequeno veleiro Ishmael (!!), pelo Mar do Norte. Ao final deste período sabático, nas ultimas 48 horas de viagem, sua filha de 7 anos, Maria, se junta a ele. É justamente neste momento - quando ele já está esgotado pela dura rotina no mar e preocupado com que o espera no regresso - que tudo sai dos eixos. 

  Boa parte da narrativa tem a forma de um diário de bordo, no qual Donald registra muito mais das suas lembranças, angustias e receios, do que dos fatos técnicos relacionados à navegação. 

"Crianças não diferenciam sonho de realidade. Seria bom se adultos também fizessem isso às vezes. Para mim, a realidade também pode ser um sonho. E vice-versa." 

"Maria é uma criança forte. Foram poucas vezes que a vi com medo. De qualquer forma, ela não conhece o medo adulto, que esmaga os miolos da gente. Medo de criança é diferente. É fácil de espantar (...) Medo mesmo a gente só sente mais tarde." 

"Um barco pode zarpar, mas no fim tem que retornar a um porto. O mundo é assim. Os únicos barcos que permanecem no mar são os que naufragaram." 

"Pais cedem mais rápido que mães. Mães sabem que o amor de seus filhos é incondicional. Elas podem se permitir certas coisas. Pais têm algo a provar."

  O leitor fica com a sensação que tem alguma coisa que não bate no relato, mas o discurso do cara é tão envolvente, tão carregado de expectativas, que é impossível não se deixar levar. 

  Este foi meu primeiro contato com a literatura holandesa e me deixou com uma impressão boníssima. Um texto tenso, por vezes angustiante, porém de uma beleza incomum.

  Um beijo e ótimas leituras.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A jornada de Lia nas CRÔNICAS DE AMOR E ÓDIO, de Mary E. Pearson.

Fugir para se encontrar...


Mentira, Traição, Escuridão...

  • Deception - ato de esconder a verdade, normalmente com o intuito de obter vantagens. Pode ser traduzido como mentira, engodo.
  • Betrayal - ato de cometer deslealdade com amigos ou com a pátria. Traição.
  • Darkness - insuficiência ou ausência de luz. Escuridão. 

  Estes três conceitos são os fios condutores da saga criada por Mary E. Pearson. Às vezes eles aparecem de modo bem explícito, porém, numa parte substancial da narrativa são apenas vultos que um leitor atento detecta como os indícios do que virá. 

  No Brasil o primeiro livro foi lançado pela Editora Darkside ano passado e virou febre. O segundo chega ao mercado dia 31 de outubro com status de objeto de desejo. O último volume ainda não tem previsão de lançamento por aqui.

De baixo pra cima: Darkside, 409 páginas; Henry Holt & Company 473 e 684 páginas

  À esta altura do campeonato acho que nem tem mais graça falar da premissa...  


  Contudo, devo observar que história da princesa que foge no dia de seu casamento, vai trabalhar como empregada em uma taverna, é perseguida pelo príncipe que a desposaria e por um assassino enviado por um reino rival, tem desdobramentos surpreendentes que revelam, tanto para as personagens quanto para os leitores, um mundo complexo, brutal e fundamentalmente regido pela tríade engodo-traição-escuridão.

  Ironicamente, é a negação e subsequente fuga de Lia que a colocam de frente à esta implacável realidade. Nossa heroína atravessa uma longa e árdua jornada de dor, perdas e decepções. Todavia, é este tortuoso caminho que a mune com força, coragem e amizades valiosas. Enquanto a Lia do primeiro livro é atraente, a que encerra a aventura é quase hipnótica.

Fuga

Descoberta
Enfrentamento

  Uma história bonita, bem executada e com personagens encantadoras. Daquelas que nos acompanham por muito tempo depois do ponto final do livro, fazem o leitor se solidarizar com suas dores, vibrar por suas conquistas e torcer para que elas tenham, de uma forma ou de outra, um final feliz.

  Para mim, THE KISS OF DECEPTION, THE HEART OF BETRAYAL e THE BEAUTY OF DARKNESS foram as grandes surpresas literária de 2016.


Um beijo e ótimas leituras.      

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Contos de Machado que recomendo (#7): TERPSÍCORE

"Às vezes, pensava no dinheiro, e recomendava ao marido que se contivesse, que salvasse alguma coisa para pôr na Caixa; ele dizia que sim, mas contava mal, e o dinheiro ia ardendo..."




  O conto TERPSÍCORE veio a público em 1886, no Suplemento Literário da GAZETA, mas só foi publicado em livro no ano de 1996, depois de ter sido resgatado - do meio de várias crônicas menores - pelo escritor Paraense Haroldo Maranhão

  Terpsícore é a musa grega da dança e da música, que, apesar de só aparecer no título da história, rege, implacavelmente, o comportamento dos protagonistas, Porfírio e Glória

TERPSÍCORE, musa da música e da dança - óleo sobre tela, Jean-Marc Nattier (1739)

  O conto começa com a esposa acordando e vendo o marido sentado na cama, o olhar perdido em preocupações. Na sequencia, somos informados da penúria em que o casal se encontra. Contas atrasadas, ameaça de despejo, o dinheiro que mal dá para a alimentação. 

  "Diabo! tanta despesa! Conta em toda a parte! é a venda! é a padaria! é o diabo que os carregue. Não posso mais. Gasto todo santo dia manejando a ferramenta, e o dinheiro nunca chega. Não posso, Glória, não posso mais..." 

  Todavia, os sentimentos de empatia e pena que, por ventura, se ensaiam no leitor, são rapidamente suprimidos, quando Porfírio relembra do comportamento (desde o momento em que decidiu cortejar Glória, até a festa de casamento)  que o conduziu para uma vida de dificuldades e privações.

"Antes, porém, de casar, logo depois de começar o namoro, Porfírio tratou de preencher uma lacuna da sua educação; tirou dez mil-réis mensais à féria do ofício, entrou para um curso de dança, onde aprendeu a valsa, a mazurca, a polca e a quadrilha francesa."  

"Que poupar despesas? Mas se num dia grande como esse não se gastava alguma coisa, quando é que se havia de gastar?"

"E assim se cumpriu tudo; foram bodas de estrondo, muitos carros, baile até da manhã. Nenhum convidado queria acabar de sair." 

  Endividado até o pescoço, sem economias guardadas e seis meses de aluguel atrasado, o rapaz resolve apostar em dois bilhetes de loteria, na esperança de ganhar e, a partir de então, levar uma vida mais previdente. O desfecho da história, entretanto, mostra como Machado botava pouca fé na capacidade das pessoas aprenderem com os próprios erros. 

  De uma forma muito bem humorada e irônica, ele deixa registrada a seguinte lição: quem nasceu para se comportar como cigarra, provavelmente nunca agirá como formiga.

-Ai, ai Machado... você é demais!!

Em 50 Contos de Machado de Assis, página 401.
   
Companhia das Letra, 487 páginas

Um beijo e ótimas leitura.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Coisas de Leitor: "Eu não preciso saber quem é Elena Ferrante!"

Penso que o fuzuê sobre a identidade da pessoa que escreveu A SÉRIE NAPOLITANA tem mais ligação com a necessidade de produzir notícias, do que com a (eventual) curiosidade de um leitor ou outro.




  Eu li A AMIGA GENIAL ano passado e lembro que achei massa a autora (ou autor) não revelar sua identidade e só dar entrevista via e-mail. Uma atitude até admirável em um mundo em que a regra é: exposição, exposição, exposição...  

  Li o livro, achei a história extremamente tocante, e quero muito ler os próximos volumes, porque preciso saber o que vai ser de Lila e Lenu. Criei empatia com as personagens, gostei da forma como a trama flui, me comovi com a realidade retratada e, portanto, pouco me importa a verdadeira identidade de Ferrante

  Quem ela é, ou deixa de ser, é tão irrelevante para mim, que chega ser engraçado ler algumas das afirmações que estão circulando por aí, dizendo que, agora que a identidade dela foi provavelmente descoberta, o nível de fascinação sentida pelos leitores tenderá a diminuir. 

- Faz-me rir!!!

  E desde que quando leitor - que é leitor mesmo, que gosta de se deparar com um bom texto, uma boa condução de trama, o leitor legítimo - precisa estar ciente dos dados no RG, CPF ou carteira de vacinação dos escritores que admira? 

  A mídia e os "formadores de opinião" estão muito mal acostumados à ideia de ditarem tendências e programarem o comportamento e a opinião das pessoas. Só que, comigo e com um monte de gente, isto não cola já faz tempo. 

  Se Elena Ferrante é Mané ou Manú, eu não quero nem saber! O que importa mesmo é a identidade do TEXTO escrito por ela. 

  O resto soa apenas como manipulação e desespero para completar pautas jornalísticas. 

Editora Globo, 331 páginas

- Deixa a criatura escrever em PAZ! 


Um beijo e ótimas leituras.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

3 bons livros para ler rapidinho. (#7)

A hora e a vez da meninas. 


#trilogias


Nestes três inícios de sagas, as protagonistas sofrem, apanham, relutam, esperneiam, mas é aquela velha história: 

- Se a Força estiver atrás de você, querida, não adianta; Ela vai te encontrar! 

...

#1 - 

  Em THE KISS OF DECEPTION de Mary E. Pearson, temos a história da princesa Lia, primeira filha do reino de Morrighan, que foge no dia de seu casamento. A moça não sente vocação para a vida de princesa, tampouco para as obrigações do cargo; casar para firmar uma aliança política está, então, fora de questão. 
  O problema é que o "destino" vai atrás dela por meio não de um, mas de dois enviados, com propósitos bem distintos, e que a afetarão ao ponto de fazê-la rever todas as convicções em que acreditou a vida toda. 
  Primeiro volume da trilogia CRÔNICAS DE AMOR E ÓDIO (The Remnant Chroicles), The Kiss of Deception, angariou uma legião de fans que, no Brasil, contam os dias para o lançamento do segundo volume.


DARKSIDE BOOKS, 406 páginas

#2 -

  A COURT OF THORN AND ROSE é um livro tão "hype-ado" que é carinhosamente apelidado pelos fãs (e não-fãs também) de  ACOTAR. 
  A autora Sarah J. Maas sabe bem vender seu peixe e interage bastante com os fãs mundo a fora, pelo YOUTUBE, INSTAGRAN e por aí vai.
  A história é um livre reconto de A Bela e a Fera, e todos os elementos que não podem aparecer explicitamente em história infantis - cito: sexo, tortura, estresse pós traumático - são mostrado aqui com pouquíssimo filtro.
  No Brasil a série está sendo publicada pela Editora Record (sob o selo Galera Record) e já conta com o segundo livro, A COURT OF MIST AND FURY.


BLOOMSBURY, 419 páginas

#3 -

  Alina é uma das muitas órfãs produzidas por anos de  guerra em Ravka (um lugar que pode, ou não, ter sido inventado com inspiração na Rússia Czarista) e, durante a vida inteira, sempre acreditou ser apenas isto: mais uma pessoa fadada a enfrentar, sem grandes chances de sucesso, os revezes de um mundo brutal.  
  A vida de Alina muda quando ela, e todos ao seu redor, descobrem que a moça é uma Grisha - elite mágica que serve ao soberano do reino, e liderada pelo sinistro Darklin. 
  SHADOW AND BONE de Leigh Bardugo é o primeiro livro da Trilogia Grisha, que já está completamente editada e, saiu por aqui pela Editora Gutenberg. 


Henry Holt & Company, 368 páginas


Um beijo, e ótimas leituras.